segunda-feira, 31 de outubro de 2011

GÊNESE DO SURF - ORIGEM DO SURF - FORMAÇÃO DO SURF

GÊNESE DO SURF

Que ato ilusoriamente simples é esse de apanhar uma onda no mar. Matematicamente, a análise desse ato pode ser mais complexa do que a grande maiorias dos mortais sonha atender. Entretanto, essa tarefa pode ser realizada se a entregarmos a um físico experiente. Porém, muito mais complexo e intrigante é decifrar a dimensão de como essa simples relação entre o homem e a onda pode influenciar tanto a consciência quanto a personalidade de um ser humano, melhor ainda... de vários seres humanos, todos eles imersos em um mesmo arquétipo. Independentemente de credo, raça ou profissão, o simples fato de sermos todos surfistas nos une em laços muito bem atados e originados em um passado remoto e irrecuperável. Ninguém sabe ao certo onde o surf se originou, se entendermos o surf na sua mais pura concepção... ou seja, o ato de deslizar sobre a arrebentação.

Algumas teorias nos levam à África ocidental, outras ainda nos remetem à Costa norte do Peru, onde por muitos anos nativos deslizaram sobre as ondas utilizando embarcações feitas de fibra de junco, conhecidas como caballos de totora. Mas, se levarmos em consideração o significado da palavra “cultura”, torna-se inquestionável a ligação do surf com os polinésios. Segundo os dicionários, cultura é o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade ou civilização, e não existe outra nação no mundo que explicite isso de modo tão contundente como a nação polinésia. Logo, se quisermos entender ao menos uma ínfima porção da origem dessa força mágica que nos impulsiona pela vida, temos necessariamente que atender um pouco da vida e dos costumes desse povo único que, de certa forma, nos presenteou com esse brinquedo transcendente chamadao surf.



O triângulo polinésio
Polinésia literalmente significa “muitas ilhas”. Muitas ilhas distribuídas em uma área de 25 milhões de quilômetros quadrados, que forma um triângulo conhecido como triângulo polinésio. O termo foi criado pelo magistrado francês Charles de Brosses em 1756, combinando duas palavras de origem grega. A região é delimitada pelo arquipélago havaiano ao norte, a ilha Rapa Nui (ilha de Páscoa), situada na região sudoeste do Pacífico. Atualmente a Polinésia é considerada uma nação, graças às descobertas de um dos maiores navegadores e exploradores de todos os tempos, o capitão inglês James Cook. Entre 1768 a 1779, Cook desbravou a Polinésia de norte a sul e de leste a oeste. Comandando suas naus Endeavour e Resolution, esse inglês foi o primeiro navegador da fase européia de expansão global a documentar as similaridades lingüísticas, religiosas e tecnológicas entre os diferentes ilhéus dessa vasta região do globo Cook, ao que tudo indica, foi um explorador que se diferenciou dos demais exploradores europeus que o antecederam, pois adimirava e respeitava a cultura desse “novo” povo, a ponto de chegar a aprender rudimentos do dialeto polinésio com um nativo taitiano de nome Tupaia, com quem travou uma grande amizade durante sua estadia nessa região. Para todos nós, surfistas, que amamos nosso esporte, é quase que uma obrigação entender suas raízes e seu profundo eco em nossa mente. Tudo nos leva a crer que o surf como cultura nasceu no Havaí. Entretanto, para que possamos compreender o seu real significado, temos que seguir desvendando as características do povo polinésio, pois para sabermos onde um povo se situa em um contexto cultural, é fundamental saber de onde ele emergiu. E esse é um dos maiores enigmas antropológicos de nosso tempo. Como esse povo alcançou as ilhas mais remotas do planeta? Predecessores de Cook foram unânimes em descredenciar os polinésios da arte da navegação. Para eles, era impossível que esse povo tivesse alcançado as ilhas da Polinésia utilizando suas rudimentares embarcações, issos sem falar na falta de compassos de navegação e outras instrumentações básicas. Em 1595, um navegador espanhol conhecido como Pedro Fernandes de Quito fez a seguinte afirmação: “ Os polinésios são um povo sem habilidade naval e, portanto, sem a mínima possibilidade de empreender longas viagens através deste vasto oceano”. Nessa época, entretanto, não se tinha ainda a mínima noção da grandiosidade do triângulo polinésio, nem da similaridade cultural entre os mais remotos ilhéus, por esse motivo essa afirmação não foi questionada por alguns anos. Outro navegador, Jacob Roggeveen, em 1722, também desqualificou as habilidades na arte da navegação dos ilhéus que habitavam Rapa Nui. Nessa época, devido ao desmatamento dessas ilhas por inúmeras gerações de colonizadores polinésios, que usaram as árvores para fazer casas e transportar as famosas estátuas da ilha de Páscoa, suas embarcações eram ainda menores do que as utilizadas pelos nativos do Taiti, não chegando nem sequer a 10 pés de comprimento. Alguns anos mais tarde, Tupaia começou a esclarecer o mistério para James Cook. Segundo ele, os polinésios orientavam-se em suas longas jornadas marítimas utilizando-se do Sol, da Lua e da estrelas, além da direção das ondulações, e da migração dos pássaros marinhos como referência de rota. Os polinésios eram um  povo do mar! Mesmo sem bússolas, sem compassos e sem grandes naus, foram capazes de empreender grandes jornadas pelo maior oceano da terra. Foram os primeiros e os mais hábies navegadores de que se tem notícia. Isso foi um duro golpe na arrogância européia, que se gabava de possuir o mais alto conhecimento intelectual da humanidade. Existem inúmeros relatos de James Cook versando sobre essa fantástica capacidade intelectual dos polinésios em domar o oceano mais bravio com simplicidade e coragem. Os barcos utilizados pelo polinésios eram extremamente simples, funcionais e versáteis. Feitos com ferramentas rudimentares de pedra, osso e coral, dois grandes pedaços de árvore davam origem a duas canoas, que eram então unidas com tábuas de madeira onde se fixavam velas feitas com fibra de coco ou folhas de pandano (um tipo de palmeira), ou ainda da árvore fruta-pão. Esses barcos recebiam o nome de Hokule’a, e apesar da aparência frágil, eram muito mais velozes do que as grandes caravelas  dos conquistadores europeus, sendo utilizados nas mais ousadas epopéias marítimas. Alguns barcos menores eram também utilizados em pequenas travessias e deslocamentos locais. Eram as famosas canoas conhecidas na língua inglesa como outriggers, até os dias de hoje muito utilizadas nos mares da polinésia e que também têm íntima relação com a cultura do surf.



A origem dos polinésios

Mas afinal, qual é a origem dos polinésios? Cook escolheu o leste do continente asiático como o ponto de origem da migração polinésia. O explorador foi levado a pensar desse modo por perceber que à medida que avançava do Taiti para o limite oeste do Pacífico, a mesma trilha lingüística se mantinha de ilha para ilha. Navegando com o Cook estava Joseph Banks, um jovem botânico que tinha estudado fisologia em Oxford e que mais tarde veio a se tornar presidente da Royal Society. Devido ao seu conhecimento de línguas, Banks foi capaz de identificar inúmeras semelhanças nos dialetos falados nas ilhas situadas no sudeste asiático com até mesmo as mais remotas ilhas da Polinésia, tal qual o Taiti. O único obstáculo que Cook visualizando ao estabelecer essa teoria é que a rota de migração do povo que deu origem aos polinésios teria necessariamente que atravessar as latitudes tropicais, normalmente nesse trecho do oceano Pacífico fortes ventos, conhecidos como trade winds, sopram do leste para o oeste, o que favoreceria uma navegação do continente americano para a Polinésia, mas dificultaria sobremaneira uma epopéia na direção contrária. Mais uma vez foi Tupaia quem esclareceu o aparente mistério, quando relatou a Cook que as migrações eram feitas nos meses de novembro, dezembro e janeiro, quando os ventos vindos de oeste predominam nessa rota tropical, tronando a travessia possível. A teoria de Cook é relativamente bem aceita nos dias atuais, e um grande número de cientistas com vários estudos lingüísticos suportam tal hipótese. De fato, seis anos antes de Cook e Banks, Adriaan Reeland já tinha identificado palavras pertencentes à mesma família lingüística entre ilhas da Polinésia, da Melanésia (região que compreende Fiji e Nova Guiné) e da Malásia e Java. É sabido que essas similaridades de fato se estendem até regiões remotas do oceano Índico, como a grande ilha de Madagascar! Essa família lingüística foi denomindada malaio-polinésia, mas atualmente é mais conhecida como austronésia. As diferenças entre as populações das diversas ilhas foi explicada por Johann Reinhold Forster, um naturalista pertencente à segunda expedição de Cook. Com base na cor da pele dos ilhéus, Forster hipotetizou duas principais migrações para o pacífico: uma primeira, de pessoas de pele mais escura, que se dirigiram para a região da Melanésia, e uma segunda e mais recente, de pessoas de pele mais clara, que migraram para a Polinésia e para a Micronésia, um conglomerado de pequenas ilhas situadas na região noroeste do Pacífico. A teoria de Forster levou Johann Blumenhach, antropólogo do século XVIII, a acrescentar uma nova raça, a malaia, às quatro grandes raças já conhecidas: caucasianos, asiáticos, americanos e etíopes. Logo, foi graças às Hokulea’s e às enormes habilidades marítimas desses destemidos viajantes que, há mais ou menos 3.500 anos atrás, o povo polinésio começou a sua história de amor com as ondas, os ventos e as correntes marítimas desse enorme oceano Pacífico. Para nós, amantes do surf, é difícil não cair em devaneio sobre tal período. É provável que  esse tenha sido o responsável pela criação de um novo código genético, que centenas de anos mais tarde clamou por sua expressão, conduzindo esse povo novamente para o mar, mas dessa vez não com o intuito de migrar, de desbravar e de conhecer novos horizontes... o objetivo agora, ao que tudo indica, era um só: brincar... divertir-se, retornar às origens... assim deve ter nascido o surf!



Surf: o presente do Havaí para mundo

Existe um interessante ditado popular que afirma: quanto mais coisas mudam, mais permanecem as mesmas. Isso parece ser válido também para o surf, que desde seu provável início tem se transformado de forma radical, sem contudo alterar sua essência. Apesar disso, alguns elementos de nosso esporte nem ao menos chegaram a se transformar. É o caso das forças geradoras das ondas, das tempestades, dos ventos e das plataformas de pedra, lava e coral que formaram a base do surf dos reis polinésios e que se mantêm no mesmo lugar até os dias de hoje, sustentando o vício de cada nova geração de surfistas, que ciclicamente cria novas tribos, mantendo viva a tradição de seus remotos antepassados. O surf é o presente do Havaí para o mundo. Muito antes do capitão James Cook adentrar a baia de Kealakekua, os havaianos já dominavam essa nobre arte. Deslizar pelas ondas usando uma pequenina prancha de madeira já era parte da rotina da grande maioria dos ilhéus da Polinésia. Os havaianos tomaram esse antigo hábito, desenvolveram pranchas enormes, refinaram-se na arte do shape, criaram novas técnicas e elevaram o surf ao mais alto patamar dentro de sua cultura.

O primeiro relato publicado sobre o surf no Havaí foi feito pelo tenente James King: a bravura e a extrema habilidade desses nativos ao desenvolver as difíceis e perigosas manobras sobre as ondas só pode ser classificada de estonteante e é algo realmente difícil de acreditar quando presenciado de fato. Alguns anos mais tarde, e 2000 milhas abaixo do Havaí, James Morrison relatou a prática do surf por nativos do Taiti, e ainda existem vários relatos semelhantes na remota Rapa Nui e também em Aotearoa. Ao que tudo indica, os polinésios eram bem ecléticos com relação aos materiais utilizados na prática do surf.

Qualquer coisa que boiasse podia ser usada para surfar, até mesmo pedaços de troncos de coqueiros eram utilizados para se pegar ondas! Entretanto, a grande diferença entre os havaianos e os demais povos polinésios começa a se tornar evidente quando consideramos quem eram os surfistas, com qual material surfavam e de que forma surfavam. Na grande maioria das ilhas do oeste da Polinésia, o surf era praticado principalmente por crianças, e quase que exclusivamente por meninos. De fato, era um passatempo, uma brincadeira infantil, tal qual o jogo de esconde-esconde ou a amarelinha. Em contraste, nas ilhas Marquesas, no Taiti, nas ilhas Sociedade, ilhas Sociedade, ilhas Cook, Rapa Nui, Havaí e Aotearoa, o surf era um esporte praticado por todas as pessoas, homens, mulheres e crianças, das mais diferentes idades. Os outros aspectos da pratica do surf, o tamanho das pranchas e a maneira como se surfava, são intimamente relacionados, uma vez que a extensão da prancha determina as possibilidades do surf. Duas principais linhagens de pranchas foram identificadas na Polinésia: os bodyboards, mais conhecidos como paipos, e as pranchas maiores, que possibilitavam o surf em pé. Os relatos históricos  mencionam a existência de grandes pranchas de surf somente no Havaí, Taiti e em Aotearoa. Entretanto, as pranchas de Aotearoa, apesar de terem 6 pés de comprimento, tinham somente 9 polegadas de largura,  e muito provavelmente não puderam ser utilizadas na prática do surf em pé. No Taiti, Morrison relata a prática do surf na posição ereta por alguns nativos que faziam uso de pranchas grandes, com cerca de 6 pés de comprimento. A grande maioria dos nativos das ilhas restantes, no entanto, fazia uso somente de paipos. Os havainos, em contrapartida, possuíam verdadeiras pranchas de surf, algumas delas com mais de 18 pés de comprimento, 2 pés de largura, 6 polegadas de espessura e que poderiam chegar a pesar até 50 quilos!

Algumas dessas pranchas ainda podem ser vistas nos belos museus de Honolulu, como o Bishop Museum ou o Hawaii Maritime Center. Como tais pranchas tinham ótima flutuabilidade, todos os tipos de abordagens surfísticas podiam ser realizadas: surf de joelho, sentado e na posição ereta. Hoje já se sabe que os havaianos eram capazes de executar todas essas manobras, oque, somado aos diferentes equipamentos utilizados por eles, fez com que essa estirpe se diferenciasse sobremaneira das demais da Polinésia. Os taitianos foram os que chegaram mais perto dos havaianos.


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